Jesus - Pedro Soares
Sophia de Mello Breyner-Andersen
"As espécies que não desenvolveram a escrita valem-se da memória instintiva. O salmão sabe o caminho do lugar onde nasceu sem ter que consultar um parente ou um mapa.(...) Já o Homem pode ser definido como o animal que precisa tomar nota." Luís Fernando Veríssimo
Abro um pouco a boca e deixo cair a moeda de ouro. Nos meus olhos descobrirás como é grande a tristeza do mundo.
Lá fora é outra vez verão."
in Canto do Amigo Morto – Al Berto
Puedo Escribir - Pablo Neruda (tradução inglesa recitada por Andy Garcia)
“...Faz hoje cem anos exactos, um pobre e admirável poeta, o mais atroz dos desesperados, escreveu esta profecia: Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades. Acredito nesta profecia de Rimbaud, o vidente. Venho de uma província obscura, de um país separado de todos os outros pela cortante geografia. Fui o mais abandonado dos poetas e a minha poesia foi regional, dolorosa e chuvosa. Mas sempre tive confiança no homem. Jamais perdi a esperança. Talvez por isso chegasse até aqui com a minha poesia e também com a minha bandeira. Em conclusão, devo dizer aos homens de boa vontade, aos trabalhadores, aos poetas, que todo o futuro foi expresso nesta frase de Rimbaud: só com uma ardente paciência conquistaremos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens. Assim, a poesia não terá cantado em vão.”
(excerto com a parte final do discurso de Pablo Neruda, pronunciado no dia em que recebeu o Prémio Nobel de Literatura, 1971)
hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!
O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira
- Não gosto de despedidas.
- Estamos todos aqui para nos despedirmos de ti. Não sejas assim. Mau feitio.
- Mas estão todos aqui porque querem. Já eu não tive escolha. Se pudesse saía à francesa, assim no meio da festa, quando ninguém desse pela minha falta, ou então ficava até ao fim e seria o último a sair. Continuava a não ter que me despedir. Ficávamos para o fim, eu e a minha cerveja: eterna amiga e amante.
- Raio de mau feitio. Não sejas injusto. Não vês quantos amigos tens?
- Sim. Tenho-os, mas não tantos como os que aqui estão. Achas que todos aqui vão sentir a minha falta daqui a um ano? Então não me respondes? Vá lá… Admite que, provavelmente, nem tu sentirás a minha falta daqui a um ano. Vais esquecer-me. A memória é traiçoeira.
- ...
in Lentidão - Milan Kundera
(...)
And both hands
Now use both hands
Oh, no don't close your eyes
I am writing
Graffitti on your body
I am drawing the story of
How hard we tried
I am watching your chest rise and fall
Like the tides of my life,
And the rest of it all
And your bones have been my bedframe
And your flesh has been my pillow
I am waiting for sleep
To offer up the deep
With both hands
(...)
Caminhar. Sem rumo, sem meta.
Sentir o frio do vento, o calor do sol.
Fechar os olhos e esperar.
O encontro de 1941 de Bohr e Heisenberg continuará para sempre envolto em nevoeiro.
Certezas, apenas eles as terão e, com toda a certeza, serão diferentes.
Agrada-me pensar que o que me ficou da peça Copenhagen de Michael Frayn(vista há alguns anos no Teatro Campo Alegre no Porto) é uma certeza: que Heisenberg não construiu a bomba porque a sua consciência não o permitiu, e que Bohr e os restantes cientistas envolvidos no projecto Manhattan não sabiam de que forma essa mesma bomba seria usada.
Certezas? Nenhumas.
"In response to Bohr’s direct question as to why he didn’t make the crucial calculation, Heisenberg answers simply but convincingly.
H: Why didn’t you calculate it?
B: Why didn’t I calculate it?
H: Tell us why you didn’t calculate it and we’ll know why I didn’t.
B: It’s obvious why I didn’t.
H: Go on.
M: Because he wasn’t trying to build a bomb!
H: Yes, thank you. Because he wasn’t trying to build a bomb. I imagine it was the same with me. Because I wasn’t trying to build a bomb. Thank you.
(…)
Ironically, paradoxically, it was Bohr who, in a small way, contributed to the bombs that were dropped on
(…)
Heisenberg was treated with undeserved hostility and contempt by many of the physicists who had been involved in the U.S. Manhattan Project, some of whom were his former students or friends. On this, Frayn has Heisenberg comment:
When I went to
* http://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_da_incerteza_de_Heisenberg
** excerto duma análise à peça em http://www.ihr.org/jhr/v21/v21n2p35_frayn.html; os excertos a itálico e negrito são retirados da peça.
Foto de Alfredo Cunha - publicada na edição d'O Século Ilustrado de 27 Abril 1974
Faz hoje 33 anos que o teu pai ia morrendo naquele barco!
Todos os dias vinte e cinco de Abril a minha avó repete esta frase, acrescentando mais um ano, de acordo com o passar do tempo.
E desta forma começa mais uma lição de história, uma lição na primeira pessoa que prende e cativa. Fico absorvida como se estivesse a ler um livro extraordinário ou a ver um filme belíssimo. Ouvir o relato de alguém que esteve no meio da Revolução, por mais diminuto que tenha sido o seu papel, é como fazer uma viagem no tempo. Daquelas viagens que ensinam e nos fazem gostar e apaixonar pela história. Que nos fazem sentir como era viver sem liberdade e como aqueles momentos foram/são da maior importância. É uma viagem no tempo que ajuda a que não se esqueça, para que a memória não de desvaneça. É uma viagem no tempo que me ensinou a saborear e a dar valor àquele momento em que um papel dobrado em quatro é colocado na urna.