"Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que me hão-de lembrar de modo menos nítido.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido.
Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito.”
David Mourão-Ferreira
"As espécies que não desenvolveram a escrita valem-se da memória instintiva. O salmão sabe o caminho do lugar onde nasceu sem ter que consultar um parente ou um mapa.(...) Já o Homem pode ser definido como o animal que precisa tomar nota." Luís Fernando Veríssimo
23 dezembro 2006
Ladainha dos póstumos Natais
14 dezembro 2006
Erik Truffaz, Murcof and Talvin Singh live at the 2006 Montreux Jazz festival. This is the track RIOS from the album REMEMBRANZA, played as encore.
09 dezembro 2006
Palavras #8
in O Riso de Deus - António Alçada Baptista
04 dezembro 2006
Varrer a casa ou limpar o pó?
A Persistência da Memória - Salvador Dali
A conversa decorria ligeira enquanto bebíamos um chocolate quente. A noite estava muito fria, como é usual em Coimbra nesta época do ano. Quase sem nos apercebermos resvalámos para as memórias de infância. É recorrente quando nos encontramos, estranho seria não falarmos sobre isso. Ficámos eufóricas quando nos apercebemos que nos recordávamos dum dia à tarde em que brincávamos às casinhas.
- E a discussão que tivemos? Lembras-te?
- Claro! O que se faz primeiro quando se limpa a casa: varrer o chão ou limpar o pó? Eu dizia que era limpar o pó, tu varrer o chão. Tinhas razão, mas tivemos de ir chamar a minha mãe para desempatar.
As mesas do lado olhavam para nós como se fossemos loucas. Ríamos que nem perdidas a recordar essa tarde: o tempo solarengo, as flores amarelas no quintal…
28 novembro 2006
Palavras (Inéditas) #7
Hand with globe - M.C.Escher
"Ai!
Se o mundo andasse ao contrário...
Se o mundo girasse ao contrário
E a vida era cheia de experiência.
Ai!
Se o mundo torneasse ao contrário
Seria eternamente jovem,
Recapitulava cada amor,
Voltava atrás no tempo,
Agarrava as melhores oportunidades de ser feliz.
Seria talvez invejoso, mas...
Ai!
Como te amava!
Não cometia mais nenhum erro,
Viveria a minha própria vida,
Criaria meu próprio paraíso
E começava a aprender a viver.
Deixava que a Terra me levasse...
Ai!
Se o mundo voltasse atrás
Eu seria tudo aquilo que hoje não sou.
Escolheria o sitio p’ra nascer,
Talvez em tua casa
Ou em casa de alguém que me amasse.
Escolheria os meus amores para amar
E os meus inimigos para odiar.
Ai!
Se o mundo fosse tanta coisa
Eu talvez...
Seria coisa nenhuma...
Ai!"
Ai! - Rui Tente 26.9.94
26 novembro 2006
Cesariny 1923-2006
Guarda-luz da irmã Henriette
"Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco."
23 novembro 2006
19 novembro 2006
Amadeo *
16 novembro 2006
Palavras #6
13 novembro 2006
10 novembro 2006
Ratoeira
Certo dia reparou que algum do dinheiro tinha desaparecido. Raios partam! Era só o que me faltava: um ladrão. Nessa altura andava na construção da igreja e em conversa com o padre contou-lhe o sucedido:
- Parece-me que trago um ladrão em casa, senhor Prior. O dinheiro anda a minguar. Não sei o que hei-de fazer.
- Tens uma boa forma de descobrir o ladrão. – disse-lhe o padre – Tens alguma ratoeira em casa?
- Ratoeira? Daquelas de apanhar ratos? – perguntou Alberto coçando a cabeça.
- Claro Alberto, então para que servem as ratoeiras? Colocas uma dentro da caixa e verás que daqui a algum tempo descobres o ladrão.
- Senhor Prior apanhei o ladrão. Bem, o ladrão não, a ladroa.
O padre olhou para ele e começou a rir-se.
- Não acredita senhor Prior?! Aquela ladroa da minha irmã… Não tenho o dinheiro de volta, mas também me vinguei. Pois vinguei, que ela agora tem uma mão empanada e anda com o braço ao peito. Claro que não confessou, mas eu sei que foi ela: a ratoeira desapareceu e ela ficou com a mão empanada. Uma ladroa é o que ela é.
09 novembro 2006
Palavras #5
"Em legítima defesa
Sei hoje que ninguém antes de ti
Morreu profundamente para mim
...
Os outros estão mortos porque o estão
Só tu morreste tanto que não tens ressurreição
Pois vives tanto em mim como em qualquer lugar
Onde antes te encontrava e te posso encontrar
E ver-te vou como quem voa ao caminhar
Todos eram mortais e tu morreste e
Vives sempre mais."
07 novembro 2006
"Só o amor faz renascer a vida em nós"
Conheço outros Leigos como a Lina, que neste momento devem estar destroçados, mas que têm a força para continuar a lutar pelas pequenas mudanças que vão fazer a diferença no amanhã. A diferença que a Lina fez.
05 novembro 2006
Palavras #4
Butterfly on Book-Cora Buttenbender
"este livro. passa um dedo pela página, sente o papel
como se sentisses a pele do meu corpo, o meu rosto.
momentos. o que temos para dizer não pode ser dito.
a tua. damos as mãos quando seguras este livro.
eu não sei responder a todas as perguntas do mundo.
o papel. devagar, muito devagar. vamos beijar-nos."
in A Casa, a Escuridão - José Luís Peixoto
02 novembro 2006
A Aldeia
É uma vida inquietante, assim como a de todos nós, que tem os seus momentos de rotina pontuados aqui e ali com um sabor diferente.
Há sempre aquelas que se destacam: vivem não ao sabor do vento mas contra a maré, possuem peculiaridades que as tornam deliciosas e amargas. Conheço uma assim. Nasceu no meio de serras, lutou pela liberdade, sem medo, em 1958, mas mesmo assim viu-se envolta na monotonia que apanha todos. Contudo, no início de cada novo ano a Aldeia começa a fervilhar. Algo acontece que faz sacudir essa monotonia. Os preparativos iniciam-se: o Carnaval é daí a poucos meses. É preciso falar com a Graça… e com o Fernando também. Não te esqueças, esse ajuda sempre. Todos os braços são poucos para montar o Cortejo. Mas há qualquer coisa mais: movimentações de bastidores, troca de informações… As duas semanas anteriores ao Carnaval são uma azáfama. As filas no posto médico diminuem vertiginosamente: deixa de ser preciso ir apanhar vez às 6 da manhã. A Aldeia trabalha a dobrar e depois sai para a noite para tocar às campainhas, fazer badalos e caqueiradas, fugir pelas ruas e gritar É Carnaval, ninguém leva a mal. Mas há sempre uma noite mais especial, mais aguardada… A noite em que as informações recolhidas tomam corpo de quadras. A noite em que as máscaras caem e nenhum solteiro ou solteira está a salvo da verdade. Noite complicada noutros tempos: quase uma sentença de morte para alguns. Nos dias de hoje é a noite em que a Aldeia se liberta, sai do seu caminho responsável e se comporta mal.
Depois dessa noite mal dormida e do dia de Carnaval a rotina volta a instalar-se. É preciso limpar o lixo da festa. É preciso voltar a acordar às 6 da manhã para conseguir uma consulta. Mas a Aldeia sabe que para o ano há mais, e que são esses momentos de loucura e irresponsabilidade que lhe permitem viver.
Ninguém me consegue convencer que esta Aldeia não é um ser humano.
01 novembro 2006
31 outubro 2006
Foi bonita a festa, pá *
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele inteira fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada, ai
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes, ai
(...)"
O meu amor - Chico Buarque 1978
* primeira frase da segunda versão da música Tanto Mar
30 outubro 2006
Palavras #3
in Para Sempre - Vergílio Ferreira
26 outubro 2006
Camisola 10
"Eu quero ser para ti a camisola dez
Ter o Benfica todo nos meus pés
Marcar um ponto na tua atenção
Se assim faltar a festa na tua bancada
Eu faço a minha última jogada
E marco um golo com a minha mão."
Zorro – João Monge e João Gil
Hoje não consigo compreender o que me fazia ter esse fascínio e paixão (ou seria obsessão?!) pelo futebol, pelo Benfica…
Algo inexplicável, um mistério da vida.;)
25 outubro 2006
Mais real do que a realidade
- «No meu Chevrolet, pela estrada de Sintra...» - e depois perguntou:
- Achas que o Fernando Pessoa tinha carta de condução?
O Gonçalo respondeu pronto:
- O Fernando Pessoa não tinha. Quem tinha era o Álvaro de Campos...
A Teresa esteve uns segundos sem perceber a graça, mas depois reparou:
- Que estupidez!... Não é que eu ia acreditando!...
- Não se aflija. Aquilo tudo é tão real... mais real do que a realidade..."
in Os Nós e os Laços - António Alçada Baptista
23 outubro 2006
Chuva
Musician in the rain - Robert Doisneau
"as coisas vulgares que há na vida
não deixam saudade
só as lembranças que doem
ou fazem sorrir
há gente que fica na história
na história da gente
e outras de quem nem o nome
lembramos ouvir
são emoções que dão vida
à saudade que trago
aquelas que tive contigo
e acabei por perder
há dias que marcam a alma
e a vida da gente
e aquele em que tu me deixaste
não posso esquecer
a chuva molhava-me o rosto
gelado e cansado
as ruas que a cidade tinha
já eu percorrera
ai... o meu choro de moça perdida
gritava à cidade
que o fogo do amor sob a chuva
há instantes morrera
a chuva ouviu e calou
o meu segredo à cidade
e eis que ela bate no vidro
trazendo a saudade"
Jorge Fernando
http://www.youtube.com/watch?v=OpExb2hCYTs&mode=related&search=
19 outubro 2006
18 outubro 2006
Palavras #2
Avenida de La Vida II - Bertram Bahner
"Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte."
Alexandre O'Neil
16 outubro 2006
Quase 8 anos passados o telefone em casa tocou. Era ele. Ela soube que tinha sido ele, mesmo antes de lhe darem o recado na totalidade. Nos últimos meses ele tinha voltado a entrar na cabeça dela enquanto dormia. A dor tinha passado, a esperança que ele mudasse de ideias mantinha-se ao fim de todo este tempo, mas ela sabia ser impossível.
Encontraram-se ao fundo da Rua da Sofia, à beira da Câmara Municipal. Era Dezembro, algumas semanas antes do Natal. Cumprimentaram-se e falaram como se nunca tivessem estado separados. Das mudanças na vida de cada um, das pessoas que foram encontrando ao longo dos anos, das grandes e das pequenas novidades, dos amores actuais. A conversa fluiu facilmente até que ele… Sabes, foste tu a responsável pela grande opção que fiz na minha vida. De ir para França estudar Teologia, de ter escolhido servir a Deus. Ela sorriu, com vontade de chorar. Ele continuou… Precisava dizer-te isto. Foste uma das pessoas mais importantes da minha vida. Queria muito que estivesses presente no meu casamento. Aquela dor que ela pensava ter passado voltou. Forte, mas não o suficiente para a impedir de dizer que estaria lá, no dia marcado, com muito gosto, porque ele também tinha sido uma das pessoas mais importantes da vida dela… ainda era… pensou ela.
Dia marcado e ela apareceu em casa dele, para os costumeiros comes e bebes. Não sabendo o caminho para a igreja ele ofereceu-se para ir com ela. Ele agradeceu-lhe por ela ter aceite o convite e contou-lhe como amava a noiva. Ela sorriu, e colocou os olhos na estrada…
A cerimónia foi linda, a mais bonita a que ela alguma vez assistiu. Ele cantou para a noiva, e ela recordou-se do tempo deles, do poema que ele lhe deu, das palavras que ele lhe disse, dos beijos e carícias que trocaram, do primeiro olhar e do primeiro sorriso que tudo desencadearam. E sorriu. Apesar dele não ter sido o seu primeiro homem era como se tivesse sido.
13 outubro 2006
Palavras #1
in Os Nós e os Laços - António Alçada Baptista