18 setembro 2014

hoje é [novamente] o primeiro dia do resto da tua vida *

Arcos do jardim_Hugo Antunes_olhares

Acasos in Breves notas sobre o medo - Gonçalo M. Tavares











"A principio é simples, anda-se sózinho

Passa-se nas ruas bem devagarinho

(...)

Enfim duma escolha faz-se um desafio
Enfrenta-se a vida de fio a pavio
Navega-se sem mar, sem vela ou navio
Bebe-se a coragem até dum copo vazio
E vem-nos à memória uma frase batida
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida"

* Sérgio Godinho

14 setembro 2014

Carta a Alice #15


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szefus







Sonho-te. 

Às vezes.

Grande, mas sem te conseguir ver as feições delineadas. Sei que és tu, porque o que sinto quando sonho (e, principalmente, o que permanece depois de acordar) não é igual a qualquer outro sentir.

Sonhei-te a brincar nas poças de água, desta chuva de verão, com o teu pai. Os dois (meus).

Foi (é, porque quando fecho os olhos tudo regressa) uma imagem tão nítida, apesar do nublado da tua face. É um sentir tão profundo este, da vida que poderia ter sido, mas não é. Tudo é real: o cheiro da chuva de verão, o molhado no corpo, o som dos pingos que caem, o sorriso, as gargalhadas, o olhar atento do teu pai.

Sonhei-te.

E é isso que nos resta depois de acordar. Esse sentir inigualável. Misturado com alguma tristeza, envolvida com a luz e a clarividência que nos ofereceste.



12 setembro 2014

      






I

10 setembro 2014

Palavras #54

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T00xicpanda




fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e
vestido com roupa passada a ferro, rastos de chamas
dentro do corpo, gritos desesperados sob as conversas:
fingir que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua
onde os nossos olhares se encontram é noite: as
pessoas não imaginam: são tão ridículas as pessoas,
tão desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam:
nós olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a
ferver sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades
de medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?,
pergunto dentro de mim: será que vou morrer? olhas-me e só tu
sabes: ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode
dizer: amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir:
um oceano que nos queima, um incêndio que nos
afoga.


José Luis Peixoto

01 setembro 2014

todos eram mortais e tu morreste e vives sempre mais *





"A vida (a nossa como a dos nossos heróis) é feita de coisas últimas. Mas se com facilidade reconhecemos, nós e eles, as coisas primeiras, raramente nos é dado perceber a natureza última de um momento ou um acontecimento. Como no poema de Borges, há sempre um jardim que nunca mais atravessaremos, uma cidade aonde não regressaremos, um livro que não voltarmos a ler, um rosto que, sem saber, fitámos pela última vez, uma voz que nunca mais escutaremos."



Manuel António Pina -  Lembrança de António Reis in Crónica, saudade da Literatura



* Ruy Belo