30 setembro 2008

so easy with you *

Can you keep a secret_Graça Loureiro_olhares
Graça Loureiro

Sei que quando me tocas a batida da terra coincide com a do meu coração.
in A Terceira Rosa - Manuel Alegre


A campainha. O clic da porta que se abre para mim. Os degraus das escadas. A porta entreaberta que me convida a entrar...
...são estes os obstáculos que me ajudas a transpor até ti.



A luz trémula que desenha a(s) nossa(s) forma(s) na parede. Os braços que me chamam, as mãos que me tocam, o calor que me inunda. A boca que me cala, o silêncio cheio de palavras...
...tudo isto me mantém unida a ti.



O cheiro que permanece em mim. Os teus pedaços esquecidos em mim. A lembrança constante de ti em mim. O desejo de te abraçar e de te sentir, de te descobrir e ser descoberta...
...tudo isto me obriga a regressar a ti.



* Romantic Fool - Eric Mingus

29 setembro 2008

Incapacidade Expressiva #6

Nenhum outro caudal nosso corre em leito mais duro, encontra obstáculos mais encarniçados, peleja mais arduamente em todo o caminho [...] Mas a própria beleza deve ser entendida. Não é subir aos restolhos de Lagoaça, contemplar o abismo, e quedar-se em êxtase. Não é espreitar de S. Salvador do Mundo o Cachão da Valeira, e sentir calafrios. Não é descer de Sabrosa para o Pinhão, estacar em S. Cristóvão, e abrir a boca de espanto. Não é ir a S. Leonardo de Galafura ou ao miradoiro de S. Brás, olhar o caleidoscópio, e ficar maravilhado. É compreender toda a significação da tragédia, desde a tentação do cenário, à condenação de Prometeu, ao clamor do coro. Ser neste chão árido e hostil um novo criador de vida, dar aí uma resposta quotidiana à morte, transformar cada ravina em parapeito de esperança e cada bagada de suor em gota de doçura - eis os que o Titã ensinou aos homens, e o que Zeus não lhe perdoou. Por isso o seu perfil rebelde é o próprio perfil dos montes.
Miguel Torga


Linha do Douro_2008


Linha do Douro 2008


Linha do Douro 2008



fotos: rio Douro, de comboio :)

18 setembro 2008

(re)encontro

Arcos do jardim_Hugo Antunes_olhares
*



Tonight we fly - The Divine Comedy


"Como se da boca de um louco, há muitos anos desprovido de razão, saísse de súbito uma fórmula verbal capaz de explicar finalmente o mundo, certos encontros do acaso juntam, definitivamente, e depois de muitos anos de desespero e desencontros, um homem e uma mulher."

Acasos in Breves notas sobre o medo - Gonçalo M. Tavares


15 setembro 2008

eis a situação...

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João Castelo Branco


"A situação é esta: os campos eram puros e limpos, eu ateei muitos fogos, tinha fósforos e gasolina, agora estou no exacto centro de todos eles, cercam-me por todos os lados que não existem para fugir, e espero pelo incêndio, apenas espero."

Pirómano in Gaveta de papéis - José Luís Peixoto

12 setembro 2008

all mornings should be like...

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popsongs

... sunday morning...


"sunday morning

slow beats seething
through the screens in
the open windows
eggs frying
legs shaking
after we stayed lying
so long in bed
sunday morning
both of us reading
and looking up occasionally
looking up occasionally

sunday morning
you're doing your thing
and i am doing mine
speaking words
more a formality
cuz we can feel we
are of one mind
sunday morning
sheets still warm
kitties swarming
around our feet
life comes easy
your sweet company
making it so complete

of all the monday through fridays
we joined the crusade
of all the saturday nights
in which we were made
of all the exorcisms
i've done with your ghosts
still it's sunday morning
i miss you the most."

Sunday Morning - ani difranco

09 setembro 2008

Palavras #32

Cold_sweetcharade_olhares
sweetcharade



"Nessas cerimónias e rituais que repetem, com pequenos intervalos de tempo e com minúcia extrema, um conjunto de movimentos e fórmulas verbais, sentes-te como numa farsa - alguém te promete, por semana, o que nenhum humano numa vida pode dar."


Milagre e repetição in Breves notas sobre o medo - Gonçalo M. Tavares

08 setembro 2008

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Sometimes a crime of passion is not realizing the passion in time, while other times the crime is not seeing the world as it is.

05 setembro 2008

04 setembro 2008




Gosto do brilho das estrelas, por isso negoceias com o sol o seu esmaecer.



Vens com o teu cheiro e as tuas mãos cheias de magia e, de cada vez que no negro um brilho irrompe, iluminas um pedaço em mim.



E depois outro... e outro... e...

03 setembro 2008

01 setembro 2008

As pessoas a quem nunca morreu um amigo ponham o dedo no ar.

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"Faz hoje oito dias morreu um grande amigo. À noite arranjei coragem para ir vê-lo à igreja: estava o caixão, estava a fotografia diante do caixão mas o Acácio não estava, nem era pessoa para se meter dentro daquela caixa, com aquele pano por cima. Tive de procurar dentro de mim para encontrá-lo e achei-o a sorrir
– António
dizia ele como de costume
– António
e continuou a dizer
– António
em mim, a falar com os berlindes que parecia trazer sempre na boca. Uma amizade desde os dezoito anos é obra. Durante a guerra escrevíamos cartas um ao outro, depois da guerra não era preciso escrever cartas, falávamos.

(...)

Na igreja procurei um cantinho para ficar a sós contigo. Apetecia-me chorar. Mas vinham cumprimentar-me e aguentava-me. Repetia o teu nome para dentro
– Acácio
sem os berlindes com que tu
– António
e a tua mão no meu ombro nos abraços meio esquivos, cheios de pudor, que são os teus e apesar disso, caramba, foste talvez o homem que mais me mexeu no corpo, tiraste-me dúzias de sinais ao longo do tempo. Que raio de pele a minha, uma Via Láctea de pontinhos: Ursa Maior, Ursa Menor, Cassiopeia, Sagitário, não me faltava nada. Digo estas coisas, amontoo palavras para me defender da emoção.
Chega de pieguices, dizia o meu pai, chega de pieguices. As pessoas a quem nunca morreu um amigo ponham o dedo no ar.
Acácio.
– Um dia publico as tuas cartas ameaçavas tu do meio dos berlindes. O pior é que ameaçavas a sério: cartas de rapazes em África e a tua mão, um segundo, no meu ombro. Um segundo apenas.

(...)

Achava-me desesperado e a sofrer mas senti tanto a tua amizade. E agora a caixa, o pano, o retrato, agora isto. Ao sair da igreja vieste comigo. No sábado jantei com a Rita e o Henrique, teus amigos também. Tu depenaste-me a Via Láctea da pele, e o Henrique depenou-me os intestinos. Vocês dois são os únicos que me coscuvilharam o corpo. A partir do momento em que adoeceste nunca mais consenti que me tirassem um sinal: era um direito que só a ti pertencia. Lá me fardava eu de verde, lá me estendia na mesa e tu a arrancares-me estrelas das costas, da cara, dos braços.
Estrelas, planetas, pedregulhos siderais. Olha, neste momento estou sentado na tua casa, diante da piscina. Fosse qual fosse a nossa idade tínhamos dezoito anos. A mesma mulher a dias, durante bastante tempo, a segredar-me
– O senhor doutor é tão bom
não senhor professor, o senhor doutor é tão bom. E és. As minhas filhas, as minhas sobrinhas
– Padrinho Acácio
e quando o João recebeu os irmãos para jantar naturalmente chamou-te a ti. Os irmãos dele e tu. Não: os irmãos dele. O que é a morte, padrinho Acácio? O duque de Orleans não acreditava em tal criatura nem aceitava que a mencionassem na sua presença. Uma ocasião o embaixador de não me recordo donde disse
– O falecido rei de Espanha
o duque logo, furioso
– Falecido?
e o embaixador resolveu o embaraço respondendo
– Monsenhor, é um título que eles se dão.
Em francês, que é mais chique
– Monseigneur, c'est un title qu'ils prennent
Portanto essa história de falecido é um título que tu prenaste. Quando o Henrique me segredou
Tenho uma notícia triste para ti
disse de imediato
– O Acácio?
disse de imediato
– Não
e fiquei sem ver nada uma porção de minutos. Agora vejo. Vejo a igreja, a caixa, o pano, o retrato. E vejo-nos a sair dali
– Vamos sair daqui
porque não nos diz respeito, palavra, não nos diz respeito. O que nos diz respeito é estarmos juntos num sítio qualquer, não importa qual, com mais silêncio que palavras. Até no silêncio os berlindes na boca, o cabelo branco desde os vinte anos. Abundante. Bonito. Também alguma coisa tinhas que ter bonito. Estou a brincar. Não faças essa cara que estou a brincar: graças a Deus todos os meus amigos são lindos. Isto não é uma crónica, é uma carta, como aquelas que nos escrevíamos em África. Não a publiques nunca, visto que é só para ti. E não quero, nem por um segundo, que me julguem lamechas. Você tinha razão, pai: chega de pieguices."





Absent friends, here's to them,

And happy days, we thought that they would never end,

But they always end.

Raise your glasses then to absent friends

The Divine Comedy