24 novembro 2007

2 x Al Berto = ...


há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida - Al Berto



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"Durante o sono sinto de novo o teu corpo procurando o meu.
Deixo-me ficar quieto, abro as mãos, toco-te – quando a tua voz me sacode. Encolho-me e escuto em mim:

- Trago-te o mar, as nuvens

que só as crianças sonham a vermelho. Trago-te a terra que te transformou em húmus e a seiva morna das árvores, a dor que a vida faz a latejar no pulso dos homens sozinhos... e o tempo, essa doença dos vivos eternizou-nos. Noite após noite, falo-te, amo-te sem que o saibas. Posso tocar-te sem sentires sequer a minha presença. Posso estar, sem estar. Trago a cinza das horas nos cabelos e os dias da paixão onde não há dias nenhuns.

Trago-te as palavras,


e este cigarro que fumaremos os dois... e do mar recolhi esta coroa de rubras escamas e o silêncio dos náufragos... uma concha,

um punhado de sal e a moeda de ouro que te enterro na boca antes de prosseguires viagem.

O dia vem lentamente na incandescência de um fio de poeira suspensa. Atravessa o quarto vazio, acende-te o rosto.


Abro um pouco a boca e deixo cair a moeda de ouro. Nos meus olhos descobrirás como é grande a tristeza do mundo.
Lá fora é outra vez verão."

in Canto do Amigo Morto – Al Berto

23 novembro 2007

"O desconhecido Niassa."

Niassa - Francisco Camacho


Lago Niassa - Moçambique

18 novembro 2007


Puedo Escribir - Pablo Neruda (tradução inglesa recitada por Andy Garcia)


“...Faz hoje cem anos exactos, um pobre e admirável poeta, o mais atroz dos desesperados, escreveu esta profecia: Ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, entraremos nas esplêndidas cidades. Acredito nesta profecia de Rimbaud, o vidente. Venho de uma província obscura, de um país separado de todos os outros pela cortante geografia. Fui o mais abandonado dos poetas e a minha poesia foi regional, dolorosa e chuvosa. Mas sempre tive confiança no homem. Jamais perdi a esperança. Talvez por isso chegasse até aqui com a minha poesia e também com a minha bandeira. Em conclusão, devo dizer aos homens de boa vontade, aos trabalhadores, aos poetas, que todo o futuro foi expresso nesta frase de Rimbaud: só com uma ardente paciência conquistaremos a esplêndida cidade que dará luz, justiça e dignidade a todos os homens. Assim, a poesia não terá cantado em vão.”


(excerto com a parte final do discurso de Pablo Neruda, pronunciado no dia em que recebeu o Prémio Nobel de Literatura, 1971)

13 novembro 2007

Palavras #23

















hoje é dia de coisas simples - Joana Saraiva

hoje é dia de coisas simples
(Ai de mim! Que desgraça!
O creme de terra não voltará a aparecer!)
coisas simples como ir contigo ao restaurante
ler o horóscopo e os pequenos escândalos
folhear revistas pornográficas e
demorarmo-nos dentro da banheira

na aldeia pouco há a fazer
falaremos do tempo com os olhos presos dentro das
chávenas
inventaremos palavras cruzadas na areia... jogos
e murmúrios de dedos por baixo da mesa
beberemos café
sorriremos à pessoas e às coisas
caminharemos lado a lado os ombros tocando-se
(se estivesses aqui!)
em silêncio olharíamos a foz do rio
é o brincar agitado do sol nas mãos das crianças
descalças
hoje.

Al Berto

08 novembro 2007

Conversas Imaginárias #3






















"(...) coisa por coisa dessas coisas que subsistem
vivas mais que na vida vivas na imaginação
onde só afinal as coisas são (...)"

in Legítima Defesa - Ruy Belo

- Onde estás? Por onde andas?
- Aqui... Por aí.
- Ali no meio das árvores?
- Sim, também. Onde tu quiseres.
- Obrigada.
- ... ?
- Por estares por aí espalhado. Sinto-te próximo, apesar de desvanecido.

05 novembro 2007

02 novembro 2007

Carpe Diem


Humm... Imito os gatos, esses que na sua irracionalidade (será que são mesmo?) aproveitam o sol na sua totalidade, sem reservas. Estico os braços primeiro. Os músculos que restam depois (ficam cheios de inveja e imitam-nos - aos braços - sem culpas...). Fecho os olhos e sinto a brisa. Cheira a Primavera (mas não é Novembro?!). O sol, o calor, o canto dos pássaros podem enganar, mas o entardecer desfaz as ilusões (é mesmo Outono).

01 novembro 2007

Fé nublada - Daniel Oliveira

"Arrumamos os mortos e ungimo-los
São uma instituição que respeitamos
e às vezes lembramos celebramos
nos fatos que envergamos de propósito
nas lágrimas nos gestos e nas gravatas
com flores e nas datas num horário"

in Em legítima defesa - Ruy Belo