winter - soheir
"É no Outono que a gente é capaz de reparar que a vida não é banal.
(...)
É que, a certa altura, a vida é outra e o próprio passado não é bem aquilo que a gente viveu, porque, em cada tempo, há uma forma de olhar, e aquilo que vivemos não está no mundo, está na maneira como olhámos para ele."
António Alçada Baptista in Tecido de Outono
Neste momento olho e já não sei bem o que foi (é) o passado. Já não sei quais as cores que lhe associo. Deste passado recente que parece, ao mesmo tempo, tão longínquo, tanto quero fugir (pela dor e pelo buraco que me abre no peito), como o quero bem próximo, bem dentro das minhas lembranças diárias (pelos sorrisos, pela felicidade no meio da dor, pelas certezas mais certas e mais profundas que alguma vez experienciei).
O Outono é aquela época. A das cores sem igual. A época dos pensamentos profundos, do início do balanço do ano. Aquele tempo em que se recolhe mais cedo, em que o tempo para pensar e sentir é mais durad(ouro). Faz-me parte do corpo, apesar de mais facilmente cair na tristeza. Faz-me parte do corpo porque sei que dessa tristeza (por vezes avassaladora) saio com os olhos à procura das cores do Outono. Essas cores que me fazem regressar à vida: os castanhos dourados das árvores que se renovam, as nuvens do fim de tarde ("que só as crianças sonham a vermelho"), o ar fresco que inspirado me acorda a alma.
O Outono permite isso. O (re)aprender com a tristeza, o perceber que ela (a tristeza) é componente essencial da felicidade.
2 comentários:
sempre me cativou a ideia de a tristeza ser essencial à felicidade. e à beleza. é frequente ficar triste quando ouço uma canção 'demasiado' bela, ou uma paisagem. mas também me assusta essa tristeza. medo de que cresça demasiado dentro do que é bom.
talvez o segredo resida exactamente nesse limbo... mas também tenho receio de o atravessar (não percebendo) e não conseguir voltar atrás. um outono de cada vez :)
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