(Cheira intensamente a maçãs na antiga sala de bilhar. Estão espalhadas por todo o lado: no chão, no pano verde, dentro dos cestos e canastras. Ia dizer: dentro de ti.
Porque é também o teu cheiro: não só a madressilva e às ervas das areias, mas a maçã camoesa,
reineta,
bravo de esmolfe.
Aqui brincámos, quando pequenos, aos cavalinhos e às casinhas. Mais tarde a outros jogos. Alguns, por certo, chamar-lhe-iam eróticos. Eu digo castos. Jogos castos, ainda que perigosos.
Despe-te, pedes, um certo fim de tarde, era Julho, tenho a certeza que era Julho pela tonalidade de luz e sombra que a essa hora se coalhava num dos cantos da sala de bilhar. Não há pudor entre nós. Obedeço. Ficas a olhar para mim.
Despe-te, pedes, um certo fim de tarde, era Julho, tenho a certeza que era Julho pela tonalidade de luz e sombra que a essa hora se coalhava num dos cantos da sala de bilhar. Não há pudor entre nós. Obedeço. Ficas a olhar para mim.
(...)
- Quero ir contigo
- Diz outra vez
- Quero ir contigo
- Não, a palavra, diz só a palavra que não se diz, diz a palavra de que eu gosto
Mas eu não digo.
(...)
-Quero ir contigo, insisto.
- Diz outra vez
- Quero ir contigo
- Não, a palavra, diz só a palavra que não se diz, diz a palavra de que eu gosto
Mas eu não digo.
(...)
-Quero ir contigo, insisto.
Mas tu já estás a divagar. Começas a dançar, fazendo gestos largos, como se agitasses invisíveis véus.
Assim te despes, devagar, dançando sempre. É a primeira vez que te vejo nua, completamente nua, posso mesmo dizer que estás nua por fora e por dentro, não é só o teu corpo que me mostras, é algo mais, alguns diriam alma, eu não sei como dizer, sei que estás dentro e és tu, a tua nudez é uma nudez espiritual.
-Dá-me um beijo na boca, dizes.
Eu beijo-te. Sabes a maçã, a Julho, talvez a Deus. Por mais estranho que pareça, apetece-me rezar.
-Agora beija-me aqui – e apontas o teu sexo.
Eu assim faço.
Sem pudor, sem pecado, sem remorso.
Estamos nus na sala de bilhar, é Julho, posso jurar que é Julho, dizemos palavras proibidas que pelo modo como as dizemos são santas e sagradas, os nossos gestos são castos, talvez perigosos, mas castos, ou, pelo menos, inocentes. Estamos nus, é Julho. E o espírito de Deus, se Deus existe, paira de certeza sobre nós.)
in A Terceira Rosa - Manuel Alegre
11 comentários:
:)
há sabores que não se esquecem.
beijinho*
morda-se...
a insustentável tentação de amar...
e no canto superior direito, não falta nada? ;-) eheh
frutocorpodesejoencontro
:)**
versus...ez3kiel
:)
vanessa: sabores, cheiros, toques...*
happy: ... e saboreie-se...*
rui: não leio nada que precise de bolinha vermelha;)*
queen: que palavras tão bem fundidas!
miguel e b.: :)
e quem falou em "bolinha vermelha"? ;-) eheh
Breathtaking...
;)*
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